sexta-feira, 29 de julho de 2016

A última carta

O céu alaranjado. Tudo estava perfeito. O vento me deu calafrios e a lua se me fez extremamente brilhante. A noite foi a mais linda de nossas vidas. Ainda não podíamos saber da aurora, o ocaso era inspirador. Não sei quanto tempo ficamos ali, parados, a olhar o horizonte. Não queríamos dizer uma palavra, com medo de apagar pra sempre aquele momento. Mas ele se foi, já sabíamos que não poderíamos torná-lo eterno. Eu, principalmente. Você não soube, mas naquela noite meu coração estava mais temeroso. Não sei se por sua causa, mas minha alma estava inquieta.

A ansiedade se tornou maior. O choro não pôde mais ficar guardado no meu peito (apesar de fazer de tudo para não deixar você me ver com medo). Você me olhou no  fundo do meu coração e me abraçou. Era desse abraço que eu me lembraria para sempre, ao ver você pela última vez. Tristeza, era tudo o que eu podia nessa noite. Mais tarde entenderia que também estava sendo egoísta. Mas não queria estar triste.

Tentei dormir. Pensei em você e no que você estaria pensando. A dor no peito era muito forte. Nada me fazia esquecer-me de nós. Mas a dor também era intensa e infindável. Aos poucos, fui recordando todos os dias, todas as noites. Nossas dias e nossas noites. Mas, então, eu não poderia saber que éramos, tinha medo de me descobrir sozinho, mesmo com você ao meu lado. Será que você era feliz? Como eu poderia ter essa resposta? Estava aflito só pela pergunta. E aí, como acontece com toda alma atormentada, fui sufocando meus sentimentos, para que você não me flagrasse em um momento de fraqueza.

Foi tudo mentira? Ilusão? Não me culpo. Não culpo você. Simplesmente foi. Nada podemos fazer agora. Então descobri. Pela última vez escuto a nossa música. O violão parece muito mais melancólico. Você tinha razão: eu nunca fui capaz de amar, guardei isso e nunca pude revelar pra ninguém. Achei que tinha achado em você uma forma de me libertar dessa minha sina, mas, não. Tudo foi vaidade de vaidade. Mas foi verdadeiro, isso, sim. Foi intenso. Foi libertador,

Espero que você guarde pra você o que eu fui. Nesses últimos momentos só posso sentir o que você foi. E é por isso que seremos eternos. Essa nossa última tarde será o nosso para sempre. Essa nossa última nossa será infinita. O céu se transformou para sempre, e o tom alaranjado, que se tornara, de repente, azulado marcará nossa eternidade. Serei para sempre seu, e você estará sempre comigo agora. Confesso que achei que seria triste esse final, mas, na verdade, sinto alívio, melancolia e tranquilidade. Não estou triste. Não estou insatisfeito. Fiz tudo o que tinha que fazer. Vive com você tudo o que tinha pra viver. E é por isso que escolho este fim, este momento para ser o fim.

Mas o final será o nosso para sempre. Seremos infinitos neste momento. Somos o agora e o nunca mais. A dor não estará mais aqui, apenas o consolo de uma vida plena. Espero que você perceba que faço isso por nós.

Adeus, meu amor.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Aquele abraço

Shades of Strength, por Paul Richmond
Tudo ainda é sonho. É desejo, ardente. Tudo ainda é fantasia. Mas aquele abraço... Aquele abraço foi real. Foi real sentir seus braços. Foi real sentir você me envolvendo. Foi real, ao menos uma vez, sentir-me seu. Completamente. Aquele abraço foi minha salvação. Ouvir sua voz bem perto do meu ouvido. Sentir seu hálito no meu rosto. Tocar sua face com a minha. Olhar seus olhos infinitos. Tudo era um sonho real. Nós nos unimos num breve instante. Mas um breve instante eterno. Seu calor foi meu calor. Seu coração batia no mesmo ritmo do meu. Aquele abraço foi meu desejo. Pensar que eu, enfim, pertencia a você. Perder-me nesse sonho. Agarrar-me a essa fantasia. Mesmo que por alguns segundos, que poderiam ter sido milênios. Naquele abraço eu vi. Não pertencemos ao tempo. Estamos além disso. Meu desejo viaja para fora dos limites da razão. Desejar você naquele abraço não é algo que eu possa compreender neste mundo duro e burocrático. Essa vontade surge de uma realidade paralela. Paralela e profunda. Incognoscível. Mas a minha realidade. Aquele abraço rompeu essa barreira. Trouxe para este o meu mundo. Minha alma cresceu e se encheu de esperança. Aquele abraço foi a minha salvação. Minha fantasia. Meu desejo. Meu sonho.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Primeiro amor


O piano reclamava, ao longe, melancólicas notas de um blues. Melancólica, sua alma insistia em perambular languidamente pela escura noite. A brisa batia levemente em seu rosto o orvalho dos últimos minutos daquele costumeiro dia. E ele voava.

Longe, seu pensamento vagabundeava por cantos remotos. Uma memória, um desejo... Não caminhava pelas ruas do centro, coberta pela sujeira de inúmeros sapatos que ali despejavam segredos. Não sentia o mormaço que, maviosamente, se desprendia do asfalto e se perdia no frescor daquele final. Não ouvia o ruído da cidade, o ronronar dos prédios, o murmurar das paredes, que, teimosamente, postergavam o ócio. Não. Ele não era urbano. Não naquela noite. Não depois daquele difícil tarde. Não depois daquela incógnita manhã.

Tudo começou na noite anterior. Ele havia ido jantar com a companheira da vez. O último. Dessa vez tudo caminhava bem. Ele conseguira acertar, na maioria das vezes, os protocolos de um bom relacionamento. Saíam todos os fins de semana para apreciar o pôr do sol. Durante a semana, encontros casuais. Às vezes um almoço, ou, então, um rápido café. Quando o tempo apertava a maratona, se viam no happy hour. Mas as quintas eram sagradas.

Toda quinta ensaiavam a vida conjugal. Sempre na casa dele, que na dela não havia espaço para brincar com os filhos. Tratavam de trivialidades. Falavam do trabalho, de alguma reunião na escola de uma das crianças. Eram quatro. Certa vez, se imaginaram avós. Sempre terminavam na cumplicidade de dois velhos companheiros, sem intimidades, mas numa profusão de sentimentos.

Ele havia sido um bom amante. Burocraticamente lhe enviava flores quando do seu aniversário, também no dia dos namorados. Nunca esqueceu o primeiro encontro. Adivinhava seu humor e apreciava seu sorriso. Escrevia poemas e os lia no calor da cama perfumada por jasmins. Era intenso, romântico. Ela, apaixonada.
A passos perdidos por não sabia onde, ele revisitava cada palavra, cada sensação. Sem dúvida, ele havia se entregado religiosamente a ela. Ele ainda podia sentir o toque de sua pele, sua boca. O encontro de seus corpos era um arrebatamento. Com que paixão se haviam amado.

Naquele último sábado, antes daquela fatídica última noite, enquanto saboreavam o pôr do sol, sorvendo pecaminosamente a presença um do outro, ele não lhe escondeu seu medo:

- E se nunca mais pudermos ver o pôr do sol?

- ...

- Você nunca pensou se, um dia, você acordasse cega e nunca mais pudesse enxergar a vida!?

Naquela noite se amaram loucamente.

Desde então, não perdiam a oportunidade de um beijo, de um sorriso, de um olhar.

Chegaram assim ao último dia, apaixonados como no primeiro. Dançavam um tango quando o incêndio se agravou em seu peito. Aquela chama ardia e ela pôde sentir como se fosse em seu próprio peito. Foi então que se sufocaram em sua paixão. Ele, enfim, entendeu:

- É assim que é?

- ...

- O amor? É assim? É isso que se sente quando se ama?

- ...

Depois de tantas formalidades, ele finalmente poderia saber como é a aventura da vida. Ele experimentaria, de verdade, a dor do amor. Ele era uma criança com um brinquedo novo. Bobo, começava a entender os anseios da alma. Mas ela, adulta, se feriu com aquela chama.

Perdido, ele caminhava sobre as notas do piano, encharcando-se no orvalho, inebriado pelas memórias, nocauteado pelo amor. Não ouviu os pesados passos por trás de si. Apenas sentiu que o orvalho se adensava em sua pele e a música se desvanecia lentamente. Um frio percorreu seu peito, vindo do coração. O ar foi-se lhe fazendo escasso. Mas ele ainda alcançou a olhar aqueles olhos azuis, sua poesia. Tão assustados, cobertos de lágrimas. Dilacerado o peito, trespassado o coração pela brilhante lâmina manejada por aquelas suaves e desejadas mãos, ele sorriu. Partia da mesma forma como fora concebido: por causa do amor.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Minha vida de volta


Viver já não é mais tão divertido. Em meio a prazeres, improvisos e imprevistos, sempre surge a obrigação de ser adulto. As horas voam e eu não me posso perder nas nuvens. O relógio já denuncia meu atraso. 5 minutos. 10 minutos. 15 minutos. Mas eu só queria ter um pouco mais de tempo para ouvir a música. Crescer é chato. Ter que cumprir prazos é viver na eterna sanidade. Estabelecer metas é acabar com a aventura. Crescer é deixar de ser louco. É ver-se transformado em uma pessoa urbana. Não, não são pessoas: números, estatísticas, engrenagens... Crescer é deixar de ser humano.

Quando ainda minha preocupação era qual lençol daria a melhor cabana, não me importava em ser louco. A felicidade era fácil. Amigos conheciam-se todos os dias. Inimigos... Nem lembro se algum dia tive algum. Quando ainda podia perder meus ouvidos no canto do pássaro, o mundo era mais engraçado. As pessoas me olhavam e sorriam. Eu era notado. Frio e calor eram a mesma coisa: brincadeira. Dentro ou fora de casa.

As lembranças são as únicas que não me abandonaram. Todo o resto foi-se com o tempo. Sorrisos, olhares, paixões, amores, abraços. Tudo ficou perdido em algum lugar da infância. Não voltam. Não querem voltar. Talvez, não queira que voltem. Tive que quebrar o encanto. Conheci o mundo. Esse a que chamam vida. E o meu mundo, aquele verdadeiro, entrou para os livros que eles chamam de estórias, fantasia, ficção. Mas eu juro que é bem real.

Não pode fazer falta. Não posso querer voltar para lá. Afinal, cresci. Não tenho tempo para babaquices. E ainda há os que dizem que, enfim, sou maduro. Maturidade é rir da idiotice dos outros e repeti-las para que eles riam de você. Agora tenho preocupações, de fato, reais. Mas o que realmente importa é se vou sentir aquele aperto no coração ao vê-la, se vou sentir palpitações se ela pegar na minha mão, ou se nossos olhos vão se encontrar. O que importa é se a lua vai se mostrar hoje ou se vai se esconder atrás das nuvens.

Não queria crescer. Ninguém me perguntou. Só cresci e pronto. E agora? Agora só me resta a saudade... A saudade e a esperança... A esperança e a malandragem. Não vou ser adulto. Vou sair desse jogo, cansei dele. Prefiro a loucura e a sabedoria da infância ignorante. Não preciso ser entendido, quero é sentir o cheiro do azul do sol na tarde de inverno. Que as flores me beijem pela manhã e, assim, eu carregue comigo durante todo o dia seu sabor. Quero que os pássaros venham me confessar seus segredos para que eu cante um bolero à beira do mar.

Vou voltar a viver.

E ai de quem tentar me impedir: que os abomináveis homens da neve o enterre nas dunas místicas do Saara...