
Falar de uma experiência literária é uma tarefa bastante complicada, já que a leitura é uma atividade extremamente subjetiva; e discorrer sobre uma leitura pode comprometer não só o próprio livro como também seu autor e até mesmo seus leitores. Sendo assim, o que me proponho fazer aqui, não é uma leitura, e sim expor um efeito de sentido que uma leitura causou em mim, um simples, mas ativo leitor. O livro em questão é Se um viajante numa noite de inverno, Ítalo Calvino. Não há como duvidar da beleza do livro, tendo em vista seu próprio autor. Calvino é um dos melhores autores que eu já tive a oportunidade de ler. Creio que não preciso dizer muito dele, então passemos à sua obra.
Se um viajante numa noite de inverno é um livro que trata da própria leitura. É um livro diferente de qualquer livro que eu já tenha lido, a começar pela personagem, que é o próprio leitor. É a história de um leitor que adquire um exemplar de Se um viajante numa noite de inverno, passando por uma incrível aventura por causa desse livro, encontra-se também com uma leitora (a quem o narrador, no meio do romance, dá voz, passando ela a ser, se é que podemos dizer assim, a protagonista) e enfrenta vários obstáculos para poder terminar sua leitura, impedida por motivos de editorações e falsos autores. É um romance incrível que, como o próprio narrador diz, nós não conseguimos parar de ler até chegarmos ao seu final.
O interessante desse livro é que o primeiro exemplar do livro que o Leitor começa a ler está defeituoso, ele volta à livraria e descobre que é um problema com todos os exemplares disponíveis. Começa então sua jornada para terminar a leitura, mas a cada exemplar que ele adquire pensando terminar sua primeira leitura, ele inicia um novo romance. E nós leitores o acompanhamos em toda sua caminhada, lendo com ele todos os romances que lhe vêm à mão. Compartilhamos com ele a ânsia, a vontade de terminar todos os romances que começamos. Aventuramo-nos com ele em cada situação louca pela qual ele tem de passar. O interessante é que não conseguimos abandonar o romance na metade, pois procuramos encontrar, a cada página que se passa, o final de cada romance que o Leitor começa a ler e o romance do próprio Leitor.
De um modo particular, esse livro me faz refletir sobre a atividade da leitura. No final do romance ainda pude perceber algo fundamental para qualquer leitura: o que importa, não é o final, e sim os meios pelos quais chegamos até o final. O romance termina como um “viveram felizes para sempre”, e isso me fez enxergar a importância de todo o romance, não apenas seu final. A verdadeira leitura é aquela que se prende aos “como”, e não aos “o quê”. Ítalo Calvino consegue, através de um romance, me fazer refletir sobre uma atividade que comecei a praticar sem a mínima noção do que ela significava. A cada romance inacabado, a cada etapa que o Leitor passava, eu me identificava com essa personagem. No final eu era o próprio Leitor, refletindo sobre minhas leituras.
Se um viajante numa noite de inverno é um romance que todos os leitores deviam ter em seu currículo, pois ele é uma reflexão que nós precisamos fazer das nossas leituras. Ser levado a fazer uma reflexão foi, pra mim, o ponto mais alto desse romance, e admito que, levar o leitor a uma reflexão é uma tarefa bastante complicada para um autor; é por isso que eu admiro Calvino. E eu confirmo, devemos refletir, todos os dias, sobre a nossa leitura, pois, além de nos tornarmos mais (auto)críticos, ganhamos uma experiência que vai valer pra toda a vida.
O livro parece empolgante!
ResponderExcluirPrincipalmente pela forma que começa. A proposta do leitor adquirir o livro é bem interessante.
É como se o leitor tivesse poder naquela narrativa.. E sua participação fosse instigada a todo instante.
Como vc disse:
"O que importa não é o final e sim os meios que escolhemos para chegar".