sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Poesia de si mesmo

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A noite era fria e o vento cortava  o pasto. A lua, grande e desbotada, sorria-lhe, contemplando as estrelas dançantes. Não via sinal de chuva, embora da terra sentisse desprender-se aquele aroma delicioso que despertava seu desejo. Estava a sonhar, quase acordado, um sonho perturbado, mas sentia-se bem, não feliz, mas bem. Não queria que o sonho acabasse, mas um seco latido, vindo de depois das montanhas, com certeza, o assentou na úmida noite. Sentiu desconforto pela dureza da terra, mas não se moveu. Vagou o olhar, tão preguiçosamente quanto pensava, pelo céu. Não se fixou em nada, apreendia, inconsciente, a noite.

Suavemente, voltou ao sonho. Sentiu-se leve, mais que uma brisa. Ainda conseguiu ver seu corpo timidamente esticado e voou num relâmpago. Foi-se sentindo mais pesado, mais significativo, atestou que voltava a ser alma vivente. Mas a luz não lhe permitia ver, apenas sentia o vazio em volta de si. Nenhum vento, nenhum cheiro, somente o silencioso eco no nada. Se não fosse o calafrio percorrendo todo o seu corpo ao sentir cair aquela única e salgada lágrima, diria que já não mais era. De fato, era, mas nele mesmo. Despedaçado para formar um todo; mas um todo que só existia em si. Era o que estava a observar.

Sentiu-se unânime, sentiu-se universo. Essa complexidade não havia existido nele. Incapaz, instável, diminuiu-se na imensidão de ser, do seu ser. Era e simplesmente deveria ser. Mas não se conhecia. Não até então. Era completude e fragmento. Era sonho e realidade. Compreendeu e, então, chorou.

Chorou por conhecer sua realidade. Chorou por não se lembrar mais de suas doces lembranças. Chorou por ser alma carcereira de um espírito impetuoso. Chorou por não saber por que chorava. Chorou e se conformou com tudo o que se deveria conformar.

Passou-se tempo; tempos e momentos memoráveis, mas longe de ser aquilo com o que se deseja ser eterno. Mas sua eternidade, e isso o alentava, ali era breve. Sentiu e pensou o que não queria, mas foi com isso que aprendeu a ser poeta. Poeta, aprendeu a amar, única sensação a que se deu o trabalho de dissecar, não por beleza, mas por disparidade. Amou e não se cansou de querer amar. Só o que não gostava era dos sonhos.

Sempre que sonhava, acordava sufocado por uma angústia infinita. Não compreendia os sonhos, nem sequer os queria compreender. Pensava neles e logo se arrepiava por uma realidade tão impalpável. Era essa, no entanto, viria logo a saber, a angústia de um filho saudoso de seu lar. Mas ainda era cedo e não lhe convinha pensar em matérias tão longe das simples sensações a que seu corpo se submetia. Matéria esta que lhe exigia sentir com o espírito, algo absurdamente impossível.

Mas o que, ao parecer, estava longe de seu destino, anunciou-se numa esplêndida aurora. A dor foi intensa. Se pudesse não senti-la, ou simplesmente não conhecê-la. Seu corpo reacionava violentamente contra a agonia da alma. No entanto, o espírito regozijava-se. Um conflito de sensações estranhas percorria pesadamente seu corpo, morrendo ao se deparar com a vibração obscura do espírito. Já pouco sentia, já quase nada vinha-lhe à memória, já o eco gritava o silêncio aos seus ouvidos e a agitada luz dançava em seus olhos. Um zumbido fino cortava seu corpo. Afogou-se em si e desvaneceu.

Sentiu escorrer em seu rosto uma gota d’água. Chovia. Levantou os olhos e não podia contar as estrelas, mas sabia que eram muitas. Imaginou a lua, reinando por trás destas nuvens. Pensou na terra úmida que suportava seu pesado corpo, e na grama amassada por debaixo de si. Tudo em um lapso revigorante. Sorriu e decaiu-lhe do rosto uma lágrima que, misturada à chuva, regou religiosamente a terra. Voltava a ser poeta de si mesmo.

Um comentário:

  1. Se você me permiti, posso dizer que neste dia nenhuma das outras palavras que ouvi soaram tão belas:
    Faço uso das suas:

    "Chorou por conhecer sua realidade. Chorou por não se lembrar mais de suas doces lembranças. Chorou por ser alma carcereira de um espírito impetuoso. Chorou por não saber por que chorava. Chorou e se conformou com tudo o que se deveria conformar."

    "Sempre que sonhava, acordava sufocado por uma angústia infinita. Não compreendia os sonhos, nem sequer os queria compreender."

    "Mas o que, ao parecer, estava longe de seu destino, anunciou-se numa esplêndida aurora. A dor foi intensa. Se pudesse não senti-la, ou simplesmente não conhecê-la."

    "Afogou-se em si e desvaneceu."

    "Voltava a ser poeta de si mesmo."

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