sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Do Ofício de Mestre


Mais uma manhã a desperta; ainda cansada, olha pela janela, por onde desejaria ver um lindo sol brilhando, aves cantando alegremente e um céu tão azul e tão limpo. Mas o que vê não lhe agrada, assim como o que sabe que a espera. Toma seu café, sem pressa. Tranca o apartamento, um pouco apertado para ela, mas não deixa ser seu lar. Segue pelas ruas sujas que logo se enchem de carros e rápidos passos sempre atrasados. O trânsito não ajuda muito, já lhe expõe os nervos. Enfim, chega ao trabalho. Entra em sua sala e logo começa a desempenhar como sempre sua função: tentar fazer com que seu produto seja, então, aceito no mercado (apesar de saber que muito dificilmente isso ocorrerá). É um trabalho desgastante e muito árduo para ela e para todos os seus companheiros de profissão. Mas ela não reclama, sabe que é a última esperança. No fim do mês o salário não é lá confortador, mas pra ela o que importa é o sucesso em sua tarefa.

É muito comum ouvirmos pelas esquinas afora sobre a difícil labuta dos professores. Seus próprios alunos reconhecem a pouca valorização do mestre. É um cidadão como qualquer outro. Cumpre suas funções com o Estado, está sob uma hierarquia (não só na escola, mas também na sociedade), precisa de seu emprego e, principalmente, de seu salário no fim do mês. Não é difícil vermos que professor não é nenhum super-herói, como as crianças costumam pensar quando estão nos anos iniciais da escola. O difícil, porém, é vermos que ele não tem super-poderes.

Após sair da escola, a professora está exausta. Por que os alunos não a escutam? Por que não a respeitam? Ela gritou o dia inteiro. Sabe que não é fácil trabalhar com adolescentes, principalmente quando eles não têm em casa um exemplo de cidadania a seguir. Sobra tudo pra ela: ensinar a falar certo, ensinar a respeitar seus superiores e ensinar a ser cidadão. É claro que ele nunca vai aprender! Seu pai está preso, sua mãe não tá nem aí pra ele e o irmão quer levá-lo pro tráfico!?

O pior que existe na profissão do mestre é as línguas que persuadem a sociedade. Que dizem que “pau que nasce torto...” nem Deus pode concertar. Professor não é super-herói; professor não tem super-poderes; professor não é deus. Pra quê que ele vai naquela escola todo dia, se arriscar a levar um soco na cara, ou até mesmo um tiro? Pra quê se expor ao perigo por uma missão impossível?

O que está equivocado não é a visão que a sociedade tem do professor. É a visão que o professor tem dele mesmo. Se ele acha que não pode, nunca poderá. Se ele acha que tem que fazer o menino sair da escola com a gramática normativa incucada na mente, ou recitando hinos e cantos da literatura, desperdiçou seu tempo e o dos alunos. A tarefa do professor é bem mais simples do que fazer decorar a morfossintaxe da língua portuguesa, e também mais complicado que simplesmente apresentar aos alunos as realizações da língua. É fazer com que o aluno desenvolva em si uma visão crítica do mundo; que ele veja a diferença entre ele e as outras pessoas, entre as diferentes realizações do português e reflita em cima disso, para que chegue a uma avaliação crítica da sua língua materna. Os alunos não aprendem a falar na escola. Nela eles aprender a pensar a língua, a refletir sobre ela e a dominá-la em todas as circunstâncias sociais que lhes forem apresentadas. Refletindo a língua, cria-se uma consciência mais ligada ao mundo real, mais próxima da realidade que todos, independente de onde ele mora ou a que classe social ele pertence, enfrentam.

2 comentários:

  1. Legal este texto para conscientizar a sociedade da gigantesca importância dos professores. Que dificilmente tem seu valor reconhecido. Acho que em toda profissão acontece um pouco disso. Mas se pensarmos em educação e nas condições da mesma em nosso pais. Devemos ficar tristes. Existem problemas muito maiores que devem ser diagnosticados e reparados...
    Tudo faz parte de um trabalho contínuo e gradativo. Se sabemos que o ensino anda mal. E professores são desvalorizados.E preciso partir para ação e evitar que o problema fique tão grande até o ponto que não poderemos solucionar.

    Bom pra refletir.
    Pensar!

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  2. Ensinar seus alunos a ter uma visão crítica, como você colocou essa é a principal política e objetivo de um professor...

    Muito bom texto...

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